quarta-feira, 23 de julho de 2008

O mar de todas as ondas


As primeiras torrentes luminosas do Sol do dia nos surpreendem na costa do Atlântico, iluminando levemente as nuvens negro-azuladas da noite. Quando esses primeiros tentáculos do Sol, detrás do horizonte, começam a surgir, todo o espectro da praia se reduz a misturas tonais de azul, preto e branco, que, embora lindo, lembra o maldito tricolor. Aquele seu amarelo ou vermelho não existem nesse espectro, pois as irradiações do Sol não nos vêm diretamente, mas refletidas no céu, no mar, nas nuvens, nos morros e na terra e são poucas e enfraquecidas na escuridão gélida da noite. Contudo, não demoram estes para romper a barreira sombria da noite e tingir o céu de cor do dia. Suas irradiações acordam o próprio vento, que, entretanto, nos dias clássicos, só se fortalece depois do meio-dia, quando muito. Nesses dias sublimes, enquanto descobertas são as nuvens pelos domínios oscilantes do Sol, da mesma forma o são as ondas regulares, bem-formadas sobre a água espelhar do mar que avança e recua sobre a terra firme entre morros verdes. No princípio, é difícil distinguir a marola do resto do mar devido à sua escuridão e à forma excessivamente plana e espelhar da água, mas, transcorrido o tempo do deslumbre de sua beleza, se tornam visíveis, então, ondas imponentes e sedutoras aos olhos humanos. Na beirada, morrem todas, e se conclui o abuso permanente de início e fim de que o mar de ondas é composto. O vem e vai das ondas estourando no rasinho é uma das imagens mais fantásticas da natureza. Sou capturado pelo mar em movimento: semelhantemente aos mares de ressaca, que sugam suas presas pela força, este suga as suas por meio da vontade delas próprias. Este, pois, é o mar da ressaca sedutora, que não hesito em penetrar com a prancha para, com ela, dropar as ondas de minha vida, esta mesma que, pois, é uma das grandes ondas, entre outras, de outra espécie de existência.

Uma onda se origina apenas em ameaça: uma oscilação de longe, lenta, tranqüila. Entretanto, vai crescendo gradualmente, até que sua crista, do alto, clame pelo movimento. No exato instante em que ela grita a formação, estoura em branca espuma, que vai mordendo e engolindo o mar a partir de seu centro em direção às suas extremidades. Dropamos nela desde o início, embora com dificuldade. Quanto mais transcorrido o tempo, dropamo-na melhor, mas com menos velocidade. E vai se encaminhando para o fim, já diminuída em seu porte, uma parede cada vez mais plana e suave, na fraqueza e tristeza do fim. Assim é a vida, e o tudo mais: não há nada que não possa ser comparado com a onda do mar, pois tudo é como uma onda: nasce e começa a morrer. E veja que talvez tudo não seja senão ondas, mecânicas ou eletromagnéticas. A própria matéria torna-se onda e energia como dizia o físico; na oscilação que constitui o Universo.

É precisamente por essa razão que só escrevo sob efeito de certos fumos psicodélicos. Quando estou sob seu magnífico efeito, oscila-se, que nem todas as ondas, meu espectro sensorial. As correntes de verdade penetram-me de modo decisivo: posso perceber a oscilação que a própria verdade possui em sua essência. A restrição imposta pelas bases do desejo, medo ou bloqueio, ou pela própria limitação no aprendizado a cerca do mundo exterior, não são as únicas causas por detrás da impossibilidade do homem de alcançar qualquer verdade absoluta. Creio que a própria verdade possua oscilações, de desconfiável falsidade, em seu curso.

A fumaça penetra-me os pulmões e neles lança seus missionários da sensibilidade. Nos caminhos secretos das mais avançadas membranas da natureza, nossos missionários da embriaguez sóbria travam batalha contra o inimigo. Seu inimigo é a sombra, a escuridão, a convicção arrogante, muito pior que a mentira. Os soldados da maconha não trazem a verdade, mas os segredos das nossas falsas e arrogantes verdades, com que podemos derrotá-las. Essa fumaça é a chave para a verdadeira transcendência, que necessita não apenas da substância, contudo, mas da dedicação honesta do homem que o traga. O homem que o traga sem honesta e profunda vontade de elevação não transcende, apenas se embriaga e tonteia como uma galinha bêbada. Tenho, então, como instrumentos de vida e de ideal, a prancha e a fumaça. Aquela para dropar e esta para voar.

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