domingo, 27 de março de 2011

Imagine um mundo sem paraíso

"Imagine" propõe-nos um mundo dos sonhos, sem posses, sem nações, sem divisões, sem guerras.
Mas ela começa sugerindo que não haveria o paraíso (heaven), o que nos parece ruim. Mas logo em seguida, sugere também que não haveria inferno.
Isso porque a crença no paraíso pressupõe a crença concomitante no inferno. E não há fé religiosa sem esse conflito, porque é esse conflito mesmo, o que a opõe da visão cética e empírica do mundo, da natureza.
A crença em Deus pressupõe a existência do diabo. E são os conflitos que a religião descreve que fazem os crentes ignorarem os diversos conflitos que são naturais da vida, como, por exemplo, aqueles referentes aos relacionamentos, à sexualidade, à família.
Lennon sugere que se nós abríssemos mão da crença em um mundo que nos parece melhor, enxergando o mundo tal qual ele realmente é, sem deuses, sem criações místicas, sem fantasias, talvez, descobríssimos um mundo melhor, pois sem os conflitos morais que exigem de nós demais e nos compensam de menos.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Por que não gosto da Religião?

Mario Quintana disse que "qualquer ideia que te agrade, por isso mesmo... é tua. O autor nada mais fez que vestir a verdade que dentro em ti se achava inteiramente nua...". Assim sendo, escolhi o seguinte parágrafo de Frederich Nietzsche, em que ele expressa o que eu sinto em relção à religião, vestindo a idéia que se achava em mim inteiramente nua: o alto preço que a religião cobra pelo sentido e pelos confortos que dá à nossa vida.

"O desprezo das causas, das conseqüências e da realidade. – Esses acasos ruins que atingem uma comunidade – súbita tempestade, seca ou epidemia – levam todos os seus membros a suspeitar que foram cometidas infrações ao costume, ou que novos usos têm de ser inventados para apaziguar um novo poder e humor demoníaco. Esse gênero de suspeita e reflexão evita justamente a sondagem das verdadeiras causas naturais, tomando a causa demoníaca por pressuposto. Eis uma fonte da hereditária inversão do intelecto humano: e a outra fonte brota vizinha, ao conceder-se, igualmente por princípio, bem menor atenção às verdadeiras conseqüências naturais de uma ação do que às sobrenaturais (as chamadas punições e graças da divindade). Prescrevem-se, por exemplo, determinados banhos em determinados momentos: o indivíduo não se banha para ficar limpo, mas porque está prescrito. Não aprende a escapar às verdadeiras conseqüências do desasseio, mas ao suposto desagrado dos deuses por negligenciar um banho. Oprimido por um supersticioso temor, desconfia que essa lavagem da impureza tenha uma importância maior, atribui-lhe um segundo e um terceiro significados, estraga seu próprio sentido e gosto pelo que é real, terminando por considerá-lo valioso apenas na medida em que pode ser símbolo. Sob o julgo da moralidade do costume, portanto, o homem despreza primeiramente as causas, em segundo lugar, as conseqüências, em terceiro, a realidade, e tece com todos os seus sentimentos superiores (de reverência, de elevação, de orgulho, de gratidão, de amor) um mundo imaginário: o chamado mundo superior. E ainda hoje vemos a conseqüência: onde o sentimento de um homem se eleva, de algum modo entra em jogo esse mundo imaginário. É triste, mas por enquanto todos os sentimentos superiores têm de ser suspeitos para o homem científico, de tal modo se acham mesclados com a ilusão e contra-censo. Não que tenham de sê-lo em si ou para sempre: mas é certo que, de todas as graduais purificações que esperam a humanidade, a purificação dos sentimentos superiores será uma das mais graduais.” (Nietzsche Friedrich Wilhelm. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. São Paulo: Schwarcz, 2004, p. 34 e 35)
(Grifei)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Ah! Os Relógios



O poema abaixo, de Mario Quintana é uma ilustração ao fato já bem debatido pelos intelectuais da arte que a arte é um meio de reflexão necessário para libertar as pessoas das limitações do seu conhecimento. Fazemos a arte (música, pintura, teatro) no fundo para buscar um conhecimento maior, além das convicções formais e convencionais. Pois este poema usa sua liberdade para sugerir que questionemos a idéia arrogante do tempo, ficção de nossa ilusão.

Ah! O Relógios


Amigos, não consultem os relógiosquando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Espiritismo: religião ou falsa ciência?


Meu ranso com o espiritismo é que suas idéias o fazem vacilar entre a fé e a razão. Bem diferentemente, alguns padres católicos apresentam sua fé cristã da seguinte forma: consideram absurdo a recomendação, de São Tomé, de “ver pra crer”, pois, segundo eles, aquilo o que vêem é aquilo que sabem, enquanto que sua crença, ou seja sua religião, se baseia naquilo em que crêem, por meio de sua religiosidade íntima. Na medida em que o espiritismo é erigido pelo conjunto de teses elaboradas a partir do contato de seus médiuns com espíritos, esta doutrina se afirma no campo da razão, como uma ciência, baseando-se, portanto, em experiências empíricas, por meio das quais a razão humana procura conhecer e compreender a realidade. O problema é que ele não possui provas científicas, tampouco método científico, relegando-se à condição de pseudociência, isto é, falsa ciência.

Isto não significa que a crença espírita seja de alguma forma menos considerável ou respeitável que as demais. Isto apenas significa que a forma com que se apresenta, pretensiosa de adquirir a condição de verdade científica, a rebaixa da condição que poderia ter como religião ou, melhor, filosofia.

Platão acreditava na existência de um mundo das idéias, do qual este mundo concreto é uma mera e pálida reprodução, e o qual possui a essência responsável pelas características inerentes às coisas, à sua determinação. O mundo das idéias encerra as formas que se repetem nas coisas, isto é, as determinações observadas no mundo concreto. As variações e deformações, as diferenças individuais, as falhas, as indeterminações se devem à existência concreta das coisas, que é uma reprodução, uma cópia, da essência ideal impulsionada pela forma e idéia perfeita do mundo das idéias. Por exemplo, a forma comum de um cavalo (todos possuiem crina, quatro patas, rabo) se deve à essência do cavalo que reside no mundo das idéias, composto apenas daquilo que todos os cavalos possuem em comum.

Além disso, o filósofo acreditava em uma teoria de certa forma semelhante ao espiritismo, a gnosiológica, segundo a qual as pessoas, ao observarem um objeto repetidas vezes, recordam de experiências anteriores ao seu nascimento, da época em que habitavam o mundo das idéias. Antes de nascer, a alma de cada pessoa vivia em uma estrela, onde se localizam as Idéias. Quando uma pessoa nasce, sua alma é jogada para a Terra, e o impacto que ocorre faz com que esqueça o que viu na estrela. Mas, ao ver um objeto aparecer de diferentes formas (como as diferentes árvores que se pode ver), a alma se recorda da Idéia daquele objeto que foi visto na estrela. Tal recordação, em Platão, chama-se anamnesis. Íntima é sua proximidade com o que Vinícius de Morais dizia sobre os amigos: não se conhecem, se reconhecem.

Enfim, Platão possuía uma filosofia, uma convicção íntima, como poderia se chamar as crenças cultivadas nos dias de hoje, com a diferença de a sua crença ser inspirada por sua reflexão lógica, sua meditação sobre o mundo, por uma tentativa de organizar as coisas à sua volta e ler suas implicações. Ele não apresentava provas ou relatórios de contatos com espíritos: não precisava violar os limites de seu conhecimento físico, precisamente porque sua crença não pretendia ser uma ferramenta científica ou um dogma sedutor, mas uma fonte de elevação, de sincera e humilde busca pela verdade, no rumo contrário ao que assumiu o nosso espiritismo e seus médiuns hipócritas. Por estas razões, procuro sensibilizar a todos, inclusive os espíritas, a respeitar a opinião de todos e questionar o modo pelo qual se apresenta entidades como a espírtia, para afastar sua pretensão de verdade revelada, coisa que não existe e, se existe, é para enganar os humildes.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Em defesa do direito à vida; mas o que é vida?? O que é certo e errado? Bem e Mal???

Insurgem-se contra a idéia aterrorizante de legalizar o aborto, o uso de embriões, casamento gay, a liberdade. Referem-se à violação de valores.

O problema é que isto é uma questão paradigmática. Sabem o que quer dizer paradigma?

Não há como conceituar, pois paradigma significa o limite dos conceitos no qual eles se fecham inseridos num contexto. Não há como discutir certas coisas, pois aqueles que se defendem destas mudanças, o fazem por medo. Medo da mudança, medo de perder suas convicções.

Vejam quais são suas convicções. O protesto dos pró-vida é coerente e honesto. Todavia, isso não impede de incorrer em engano. Pois a coerência não basta para se alcançar a verdade. Esta não está à disposição de uma dedução lógica-formal, mecanicista, que, de uma verdade absoluta, pode derivar todas as demais. Pois, qual é a verdade absoluta?

Quando digo que essa é uma questão paradigmática, refiro-me que em que pese toda a coerência dos que defendem a vida, suas razões estão inexoravelmente sustentadas na idéia do que significa vida. Podem, contudo, responder.

Ver além significa testar os limites. Questionar. Por que será que, embora tanta religião, tanto conhecimento, ciência; ainda assim, a contra gosto dos moralistas, esse mundo vêm aceitando tantas legalizações que, como as referidas, violam as mais sagradas instituições morais como a vida humana? Por que tantas pessoas vivem lutando e pregando para que esses valores sejam preservados desta violenta onda de relativização? Ou, melhor, por que esta onda vem se impondo, se ela é injusta? Por que tem tido sucesso? E por que os defensores da vida têm cada vez mais se enfurecido, têm gritado, bradado, e ainda assim, tudo em vão?

Por que o injusto está vencendo? Talvez porque nós andamos fazendo as perguntas erradas. Assim, como um grupo de escoteiros que andam por uma floresta guiando-se por meio de um mapa trocado acabam andando em círculos e indo sempre por onde vieram. E jamais poderão descobrir a fraude do mapa, pois estão muito ocupados para parar e se perguntar: este é o mapa correto? Isto sequer é uma floresta? Após séculos defendendo a vida, talvez tenhamos nos esquecidos de perguntar-nos: o que é a vida?

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Alguém devia ter caluniado Josef K.


Um indivíduo acusado, encurralado, encarcerado e eliminado. Isto é a civilização: Kafka criou seu personagem, Josef K., mais um sorteado para lembrar da brutalidade do sistema e perder seus sonhos. Mas o mais importante é que ele perdeu suas ilusões de vida em sociedade. O Estado não é humano. a soma dos servidores públicos, provavelmente despercebidos, não possui nenhuma humanidade; é um “aparelho estatal” que não vê coração, apenas cara-craxá-número, mão-de-obra, parte, parafusos dispensáveis, engrenagens. Leis: só existem para consolidar o genocídio maquinista, o muro opressor de Roger Waters. Não há liberdade, onde há sistema de leis. Não há liberdade, onde há paz.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O mar de todas as ondas


As primeiras torrentes luminosas do Sol do dia nos surpreendem na costa do Atlântico, iluminando levemente as nuvens negro-azuladas da noite. Quando esses primeiros tentáculos do Sol, detrás do horizonte, começam a surgir, todo o espectro da praia se reduz a misturas tonais de azul, preto e branco, que, embora lindo, lembra o maldito tricolor. Aquele seu amarelo ou vermelho não existem nesse espectro, pois as irradiações do Sol não nos vêm diretamente, mas refletidas no céu, no mar, nas nuvens, nos morros e na terra e são poucas e enfraquecidas na escuridão gélida da noite. Contudo, não demoram estes para romper a barreira sombria da noite e tingir o céu de cor do dia. Suas irradiações acordam o próprio vento, que, entretanto, nos dias clássicos, só se fortalece depois do meio-dia, quando muito. Nesses dias sublimes, enquanto descobertas são as nuvens pelos domínios oscilantes do Sol, da mesma forma o são as ondas regulares, bem-formadas sobre a água espelhar do mar que avança e recua sobre a terra firme entre morros verdes. No princípio, é difícil distinguir a marola do resto do mar devido à sua escuridão e à forma excessivamente plana e espelhar da água, mas, transcorrido o tempo do deslumbre de sua beleza, se tornam visíveis, então, ondas imponentes e sedutoras aos olhos humanos. Na beirada, morrem todas, e se conclui o abuso permanente de início e fim de que o mar de ondas é composto. O vem e vai das ondas estourando no rasinho é uma das imagens mais fantásticas da natureza. Sou capturado pelo mar em movimento: semelhantemente aos mares de ressaca, que sugam suas presas pela força, este suga as suas por meio da vontade delas próprias. Este, pois, é o mar da ressaca sedutora, que não hesito em penetrar com a prancha para, com ela, dropar as ondas de minha vida, esta mesma que, pois, é uma das grandes ondas, entre outras, de outra espécie de existência.

Uma onda se origina apenas em ameaça: uma oscilação de longe, lenta, tranqüila. Entretanto, vai crescendo gradualmente, até que sua crista, do alto, clame pelo movimento. No exato instante em que ela grita a formação, estoura em branca espuma, que vai mordendo e engolindo o mar a partir de seu centro em direção às suas extremidades. Dropamos nela desde o início, embora com dificuldade. Quanto mais transcorrido o tempo, dropamo-na melhor, mas com menos velocidade. E vai se encaminhando para o fim, já diminuída em seu porte, uma parede cada vez mais plana e suave, na fraqueza e tristeza do fim. Assim é a vida, e o tudo mais: não há nada que não possa ser comparado com a onda do mar, pois tudo é como uma onda: nasce e começa a morrer. E veja que talvez tudo não seja senão ondas, mecânicas ou eletromagnéticas. A própria matéria torna-se onda e energia como dizia o físico; na oscilação que constitui o Universo.

É precisamente por essa razão que só escrevo sob efeito de certos fumos psicodélicos. Quando estou sob seu magnífico efeito, oscila-se, que nem todas as ondas, meu espectro sensorial. As correntes de verdade penetram-me de modo decisivo: posso perceber a oscilação que a própria verdade possui em sua essência. A restrição imposta pelas bases do desejo, medo ou bloqueio, ou pela própria limitação no aprendizado a cerca do mundo exterior, não são as únicas causas por detrás da impossibilidade do homem de alcançar qualquer verdade absoluta. Creio que a própria verdade possua oscilações, de desconfiável falsidade, em seu curso.

A fumaça penetra-me os pulmões e neles lança seus missionários da sensibilidade. Nos caminhos secretos das mais avançadas membranas da natureza, nossos missionários da embriaguez sóbria travam batalha contra o inimigo. Seu inimigo é a sombra, a escuridão, a convicção arrogante, muito pior que a mentira. Os soldados da maconha não trazem a verdade, mas os segredos das nossas falsas e arrogantes verdades, com que podemos derrotá-las. Essa fumaça é a chave para a verdadeira transcendência, que necessita não apenas da substância, contudo, mas da dedicação honesta do homem que o traga. O homem que o traga sem honesta e profunda vontade de elevação não transcende, apenas se embriaga e tonteia como uma galinha bêbada. Tenho, então, como instrumentos de vida e de ideal, a prancha e a fumaça. Aquela para dropar e esta para voar.