terça-feira, 22 de julho de 2008

deus foi criança, será velho e morrerá.

Sem dúvida, as qualidades do deus das religiões estão ligadas à relação entre pai e filho. Seus princípios variam de religião para religião, mas o espírito de proteção e estimação, contudo, é o mesmo.

Nas palavras de Freud, "deus aparenta ser uma projeção paterna encravada desde cedo na mente humana" ou como muitos religiosos humildes denunciam a origem de sua própria crença, designando a deus o apelido "Pai do Céu". De fato, esse seria o pai eterno, tal qual o filho entendia, enganando-se, a respeito de seu pai na infância. Tal qual muitos acreditavam ou acreditam que fosse a Terra, o Universo, as espécies biológicas.

Mas ele é apenas uma idéia formada na infância, uma idéia infantil: a infância encravada da humanidade. Esta, agora que a supera, chega à puberdade, quando partirá para a maturidade e o infinito aparece em sonho e a razão, livre, estende seu vôo em direção ao desconhecido. Se aquele jovem do qual falamos anteriormente transformou-se de criança para adulto, da mesma forma, todos os seres se transformam e assim toda a matéria. E assim, crescerá e morrerá tal qual seu pai protetor. A eternidade é ilusão dos sentidos. Por trás dela, revelou-se para Darwin um mecanismo milenar, evolucionista: a mudança, única coisa permanente. E foi justamente essa lógica que afastou a filosofia da existência de um deus e a colocou no caminho da ciência.
deus não é o criador do Universo; deus é o pai, que foi criança e que morrerá.

Veja que como ensina a poesia - que é como um tratado - de Drummond

Como um presente

Teu aniversário, no escuro,
não se comemora.(...)

Numa toalha no espaço há o jantar,
mas teu jantar é silêncio, tua fome não come.

Não mais te peço a mão enrugada
para beijar-lhe as veias grossas. (...)

Tua imobilidade é perfeita. Embora a chuva,
o desconforto deste chão. Mas sempre amasse
o duro, o relento, a falta. O frio sente-se
em mim, que te visito. Em ti, a calma. (...)

Como compraste calma? Não a tinhas.
Como aceitaste a noite? Madrugavas.
Teu cavalo corta o ar, guardo uma espora
de tua bota, um grito de teus lábios,
sinto em mim teu corpo cheio, tua faca,
tua pressa, teu estrondo... encadeados.

Mas teu segredo não descubro.
Não está nos papéis
do cofre. Nem nas casas que habitaste. (...)

E pergunto teu segredo.
Não respondes. Não o tinhas.
Realmente não o tinhas, me enganavas?
Então aquele maravilhoso poder de abrir garrafas
sem saca-rolha, de desatar nós, atravessar rios a
cavalo, assistir, sem chorar, morte de filho, expulsar
assombrações apenas com teu passo duro, o gado
que sumia e voltava, embora a peste varresse as
fazendas, o domínio total sobre irmãos, tios, primos,
camaradas, caixeiros, fiscais do governo, beatas,
padres, médicos, mendigos, loucos mansos, loucos
agitados, animais, coisas:
então não era segredo? (...)


Carlos Drummond de Andrade. A Rosa do Povo.

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